Em 1949, o escritor inglês George Orwell (1903-1950), declarado socialista democrático e entusiasta do partido trabalhista, que, então, governava o Reino Unido, publicava a sua obra ficcional Mil Novecentos e Oitenta e Quatro, vulgo 1984, na qual procurava “mostrar as perversões a que uma economia centralizada está sujeita”, leia-se comunismo e fascismo.
Descreve Oceânia, um super Estado conduzido ferreamente por um regime político totalitário designado eufemisticamente por “socialismo inglês”, no qual a vigilância governamental é omnipresente, o revisionismo histórico e a destruição de documentos que não confirmam a narrativa oficial é uma prática sistemática e indispensável à sobrevivência do regime, as liberdades individuais são suprimidas, assim como a liberdade de expressão, que são consideradas “crime de pensamento” e tenazmente perseguidos pela “polícia do pensamento”.
Neste sistema totalitário, um dos mais importantes instrumentos de manipulação consistiu na criação da “novilíngua”, um idioma fictício que, através de alterações e simplificações linguísticas, pela remoção de certo sentido das palavras, pela eliminação de uso de outras ou pela conjunção de palavras contraditórias, permite restringir a riqueza vocabular e, portanto, reduzir a capacidade intelectual para pensar e comunicar.
A “novilíngua” chegou aos nossos dias sob a forma de discurso “politicamente correcto”, tendo por base aparentemente virtuosas preocupações de defesa e promoção da igualdade de direitos entre mulheres e homens, a que vieram a chamar de “igualdade de género”.
A palavra “género”, que, na gramática da língua portuguesa, indica simplesmente se uma palavra é feminina ou masculina, entrou na linguagem política e na legislação nacional para designar a palavra “sexo”, isto é, sexo biológico, substituindo-a.
Poderá parecer que a palavra género terá passado a ser utilizada por se tratar de uma palavra mais elegante, uma vez que sexo pode remeter para a relação ou acto sexual, mas não!
Na verdade, a palavra “género” foi introduzida no vocabulário político internacional em 1995, aquando da IV Conferência Mundial sobre a Mulher, organizada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em Pequim, por acção de intelectuais feministas marxistas e trotsquistas, que, como é sabido, são liberais no que diz respeito à moral e liberdade sexuais, com o objectivo de desconstruir a família natural — constituída por homem e mulher, que permite gerar a vida —, entendida por estes como a fonte de opressão na sociedade e a pedra base do capitalismo.
A chamada “ideologia de género” tem vindo a impor-se de forma furtiva nas vidas das sociedades ocidentais, através do sistema educativo, do sistema de saúde, dos meios culturais e políticos, beneficiando de forte apoio e divulgação através dos meios de comunicação social.
Mas o que tem isto a ver com a língua portuguesa?
Vem isto a propósito da publicação do Regime Jurídico da Avaliação de Impacto de Género de Actos Normativos (Lei n.º 4/2018, de 9 de Fevereiro), projecto da iniciativa do PS, que contou com a aprovação do BE, CDS-PP, PEV, PAN e com a abstenção do PSD e do PCP, e que entrará em vigor já no próximo dia 1 de Abril. Esta lei prevê que no processo de produção legislativa, os projectos de actos normativos — leis, decretos-lei, regulamentos, etc. — elaborados pela Administração central, regional e local, bem como projectos e propostas de lei a submeter a discussão e votação na Assembleia da República, sejam sujeitos a “avaliação prévia de impacto de género”.
Conforme se pode ler nos artigos 3.º e 4.º, o objectivo será a “diminuição dos estereótipos de género que levam à manutenção de papéis sociais tradicionais negativos” e “assegurar a utilização de linguagem não discriminatória na redacção das normas através da neutralização ou minimização da especificação do género, através do emprego de formas inclusivas ou neutras, designadamente através do recurso a genéricos verdadeiros ou à utilização de pronomes invariáveis”.
Daqui se depreende que o Estado prepara-se para intervir de forma mais incisiva contra o que identifica como “papéis sociais tradicionais negativos”, com o mesmo critério que levou, em Agosto de 2017, a Comissão para a Igualdade de Género a “recomendar” a retirada do mercado de blocos de actividades distintos adaptados ao gosto estético comum de meninas e meninos dos quatro aos seis anos.
Daqui se depreende que o Estado passará a limitar e regular o uso da língua portuguesa, dando ao que poderia, eventualmente, ser entendido como mera preferência vocabular um carácter compulsivo e porventura coercivo, uma vez que dotado de força legal.Assim, depois da mutilação da língua portuguesa que resultou do Acordo Ortográfico de 1990, teremos agora sucessivas amputações, retirando aos que escrevem e falam português a possibilidade de se exprimirem livremente, uma vez que a “polícia do pensamento” de George Orwell estará vigilante.
Exagero?
Pois bem. Importa ter presente que estas medidas estão a ser implementadas em vários outros países, nos quais o processo está mais avançado. Em Novembro de 2015, o governo francês publicou o Guia Prático para uma Comunicação Pública Sem Estereótipo de Sexo, no qual propõe a eliminação da expressão “mademoiselle”, que significa jovem senhora, a ordenação por ordem alfabética de termos masculinos ou femininos idênticos, como seja “senhoras e senhores”, “igualdade homem-mulher” e “senador e senadora”, e sugere a substituição no nome da “Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão” de 1789 por “Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos Cidadãos e das Cidadãs”.
Em 2016, a Associação Médica Britânica (BMA) publicou o Guia para a Comunicação Eficaz: Linguagem Inclusiva no Local de Trabalho, onde tem recomendações como a substituição da expressão “mulher grávida” por “pessoa grávida”, para não ferir a susceptibilidade de “homens transgénero”.
Em Julho de 2017 o Metro de Londres anunciou a alteração das mensagens de boas vindas endereçadas às damas e cavalheiros (“Ladies and Gentlemen”) por “Olá a todos”, para serem mais inclusivas.
Neste mês de Fevereiro de 2018, no Canadá foi aprovada a alteração da versão inglesa do hino nacional, pasme-se (!), em nome da igualdade de género.
Assim, depois de ter sido mutilada por acção arbitrária do Acordo Ortográfico de 1990, a língua portuguesa será agora amputada na sua riqueza vocabular e linguística, em nome de uma suposta igualdade de género, passando a ser um português mais neutro. “Portuguis”?
Engenheiro e gestor
Membro da TEM/CDS – Tendência Esperança em Movimento